segunda-feira, 4 de junho de 2007

Olhar para dentro...

Uma vida passa mais depressa do que um olhar...
Um olhar que é muito mais frequente para o exterior do que para o interior...
O que fazemos nós, de nós próprios? Como nos avaliamos - se é que o fazemos - e por que razão não encontramos equilíbrio nas nossas emoções?
Pergunto-me se faz sentido pretender alcançar uma esperança de vida constantemente mais longínqua se, mesmo com os limites que a ciência e a natureza nos impõem hoje, já nos custa viver em harmonia, viver em paz e, não raras vezes, se nos custa já ser felizes?
Quantas vezes olhamos para nós?
Quantas vezes nos preocupamos em valorizar o que temos de bom? Aparentemente, quando olhamos para nós, para nos avaliarmos, ressaltam os elementos mais negativos...tantas pessoas deambulam por aí, vivendo e remoendo as suas depressões...e muitas das vezes, são pessoas únicas, especiais, que facilmente se poderiam constituir em modelos para muitas coisas...pela inteligência, pela beleza interior, pelo espírito de sacrifício, pela dedicação aos amigos...
Ao não olharmos para dentro, rejeitamos olhar uns para os outros. Porque perdemos a maioria do nosso tempo a avaliar quem o nosso olhar persegue, no exterior. Preocupamo-nos mais com o que queremos ter, com o que queremos parecer, esquecendo o que já temos...

Pego em Eschner, um artista que não valorizava, até há pouco tempo, quando uma amiga minha me fascinou ao falar dele... Olhemos para nós mesmos...
O que vemos? O que sentimos? Devemos acreditar na realidade que o espelho nos dá a conhecer?
É algo contraditório falar nestes termos, porque devia ter a força interior suficiente para não ser tão hipócrita e assumir o meu constante pessimismo em relação a tudo. Sou o primeiro a inserir-me nos moldes que pretendo desenhar.
Mas não deixo de reflectir sobre este assunto.
Sem procurar grandes respostas (porque face a grandes perguntas parcas costumam ser as certezas), encontro nesta imagem uma situação intrigante... Adivinhar o futuro é a função clássica da bola de cristal. No entanto, aqui ela é utilizada como um mero ponto de observação, como um mero reflexo da realidade. E ali, na extremidade de um braço esticado, ali, tão longe e tão perto, vemos o reflexo de nós mesmos, ou pelo menos dele, o artista.
Não será um auto-retrato expansivo, mas conciso. Caracteriza o Reflectido mas não exprime grandes traços que o qualifiquem...não é um reflexo denso como aqueles auto-retratos em que podemos contemplar a suavidade da pele, a profundidade do olhar. É apenas um reflexo, nada mais. É a realidade vista por uma bola inerte...de cristal.
Ainda assim, nesta gravura, Escher não resiste a pedir ajuda a um objecto exterior, acessório, para ver o que o rodeia e para se ver a si mesmo nesse ambiente. Ainda aqui, o que se reflecte essencialmente é o que se e não, numa perspectiva mais global, o que se é. Não se extrai qualquer reflexão interior...
Contudo, esta obra é complementada na perfeição por outra, muito simbólica, muito intrigante, também de Escher.
Aqui, há muito mais profundidade visível do que na primeira gravura. Ainda que tudo isto seja uma análise muito superficial, a verdade é que uma mera primeira impressão, suscita imenso interesse por desvendar as mensagens escondidas atrás de cada traço...
Escher assume uma posição de destaque na capacidade de expor ilusões de óptica, pelo que concretiza uma visão muito intrigante do que nos rodeia. Afinal, onde acaba o que existe e onde começa a ficção?
Cada um é livre de retirar conclusões do que vê nesta obra, mas o meu pensamento espontâneo quanto a ela foi, imediatamente, «cada um é aquilo que constrói». As mãos que se completam, permitem dar corpo ao "resto" que as liga ao todo que é o corpo, mas que, contrariamente a elas, não pode desenhar, logo, não pode construir. Mas o que as mãos desenham, apenas resulta do que o cérebro pensa e cria e a fiscalização dessa aproximação entre a criação e o pensamento do criador, apenas se alcança pelo que os olhos apreendem dos traços desenhados... Uma total dependência que não se intui directamente, mas que existe... As mãos que agora desenham, já antes foram o suporte para o cristal reflector, assumindo ser elo entre o pensamento e a realidade...
E de tudo isto, resulta o tal pensamento. De facto, por sermos complexos e dotados de múltiplas capacidades, podemos ser aquilo que quisermos, desde que nos valorizemos, desde que queiramos sonhar, olhar o mundo, confiá-lo à liberdade da nossa imaginação. E aí, numa simbiose única entre o que somos - entre o nosso valor - e o que vemos - o valor do que nos envolve -, aí sim, por "mãos à obra" e desenhar, criar, concretizar...algo de novo, algo de nosso...algo bom.

Que assim seja.


N.B.: Mantém-se a questão...Porquê tanto elogio ao humano e à individualidade de cada um, se me assumo sempre como um pessimista? Pela simples razão de não encontrar a perfeição na concretização dos meus sonhos. Não encontro o júbilo pelo erro constante face aos meus projectos...nada, nunca nada me agrada plenamente. Mas porque me falta o toque de artista, que em Escher, como em muitos outros, é completo. Em muitos outros, que acredito, possam ser vocês... Aqui fico, resguardado nos meus sonhos, aguardando a vossa arte, congratulando-me pela liberdade que dão ao meu pensamento!

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