terça-feira, 21 de agosto de 2007

Scarlett II

Mais tarde ou mais cedo isto teria que acontecer!
Scarlett escapara mais uma vez à atracção que a morte parecia exercer sobre ela. Scarlett pensou naqueles que ama. E decidiu não pôr fim à vida! Scarlett decidiu não decidir. E fugiu!
Fugiu mais uma vez por esse mundo fora. Viveu longe de tudo, fingindo ser quem não era. Duas ou três vezes ao dia pensava. Pensou nela, nos outros, na sua relação com os outros. Pensou que talvez devesse ter decidido decidir-se. Pensou que as próximas duas semanas iam ser difíceis. Pensou que poderia voltar a tentar. Mais uma vez. E outra. E outra.
Finalmente decidiu pedir ajuda. Lançar um último "grito de alerta". Scarlett aprendia nessa altura que o que quer que quisesse fazer, teria de ser silenciosamente.
Acabou por se zangar com o mundo ao perceber que a pessoa que julgava amar estava longe. Mesmo quando estava perto. Zangou-se com o mundo pela maneira como a enganou. Zangou-se com ela própria por se ter deixado enganar. E aí chorou. De raiva, de medo, de tudo. Só queria poder estar com ele outra vez. Mais uma vez. E então ouviu...
"Posso-te sorrir no escuro, e pensar que tu nem vês. Posso-te beijar nos olhos, e pensar que tu nem sentes. Desenhar todas as curvas, de que é feito o teu corpo. Penetrar-te nos teus sonhos, com a ponta dos meus dedos". E tentou... Scarlett fugiu outra vez na esperança de o encontrar nesse espaço vazio. E se está tudo perdido? Azar!
Mais uma vez Scarlett estava perante uma questão essencial, num mundo descartável...
Mais uma vez Scarlett decidiu!

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Scarlett I

Scarlett sentia que podia dar mais... de repente o mundo transformara-se num lugar onde não se sentia bem. Tinha tudo para ser feliz, e de facto era tudo o que ambicionava. Gostava de alguem que decididamente gostava dela à sua maneira. Ela sabia disso... no entanto... no entanto era tudo demasiado doloroso. Sentiu mais uma vez aquele arrepio de medo, que lhe deu vontade de rir. De medo. Apesar dos pesadelos, noite atrás noite, tentava seguir o seu caminho. Procurava durante o dia as forças para sobreviver durante a noite. Encontrava essas forças nas pequenas coisas da vida.
Fugia para um lado e para o outro, tentando evitar os meios de comunicação com o seu interior. Neste momento da sua vida, a Scarlett só lhe interessava esquecer que amava. E não conseguia.
Sofria de maus tratos. Dos psicológicos. Precisava de atenção, de carinho, sentia-se insegura. Ninguém parecia reparar ou dar valor. Scarlett voltava uma e outra vez a "agarrar-se" àquilo que dava, aos sorrisos que recebia em troca. Trabalhar naquele sítio era uma benção, daquelas que parecem só acontecer aos outros.
Tinha sorte e sabia-o. Tinha tudo. Menos aquilo que naquele momento menos falta lhe fazia. Mas que ela queria, que ela intimamente necessitava para sobreviver. E tanto era tão pouco. Ele gritava-lhe, ela limitava-se a ouvi-lo. Sentia-se injustiçada, mesmo quando a situaçao era má, mesmo quando tudo o que lhe apetecia era mandá-lo à merda, nunca tinha feito tal coisa, nunca lhe tinha dirigido uma palavra mais agressiva. Apetecia-lhe dizer-lhe que não ousasse fazer isso outra vez, mas o medo de o magoar era demasiado grande. Ela gostava dele. Julgava merecer melhor... e merecia!
Scarlett, à meia noite, parou o carro junto ao Cabo Espichel. Noite de lua cheia. Passou as arcadas, do lado esquerdo da Igreja, e achou que aquele era o sítio. Motor a trabalhar, primeira engatada... no rádio "La Pared" de Shakira.
Scarlett tinha nas suas mãos a decisão da vida...
Ela decidiu!

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Requiem de 9 de Agosto

Acordo para mais um dia... e sinto-me tão estranhamente estranha!! Hoje não procuro na almofada os restos das lagrimas que chorei durante a noite, e também já não procuro as coisas que ficaram pelo caminho...
De repente sinto que quem ali está, quem acordou esta manhã, já não sou eu. Porque eu não sou assim. Tenho o coração petrificado, desmembrado, de uma qualquer cor que não o vermelho... sinto um frio interior que me faz sorrir (ontem à noite sentia-me tão quente... febril!!!, e com vontade de chorar).
Hoje acordei com vontade de ser eu para aqueles que merecem. E isso faz parte de já não ser a mesma...
Apetecia-me que gostassem de mim por aquilo que eu sou, por aquilo que eu gosto... com as minhas inseguranças, as minhas criancices, as minhas lágrimas, as minhas eternas dúvidas... a minha dificuldade em escolher, baseada numa impossibilidade irritante de não acreditar no destino...
Sinto-me como enterrada viva, assim a modos que apaixonada, morro de saudades, de vontade dos teus olhos, de ouvir os teus sorrisos. Mas também sinto que merecia um bocadinho mais da tua parte. Hoje.
P.S. Talvez amanhã não resista e volte a ser a mesma. Talvez tu leias isto e percebas que há muita coisa que não vale a pena. Que passámos momentos fixes, mas que ainda nos podemos divertir muito. Gosto muito de ti... anyway...

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Por esse Alentejo fora... I

Percorro o Alentejo de uma ponta a outra... o meu carro corre alado pla auto estrada... a minha alma numa letargia imensa...
O reencontro com amigos é sempre uma ocasião especial... perceber que no meio da confusão do quotidiano há algo tão estático, tão seguro! Perceber que uma amizade pode ficar parada no tempo, podemos não nos ver durante uma eternidade, mas quando nos encontramos é como se não nos víssemos desde ontem... e podemos passar a noite a beber pastéis de nata, podemos tratar os amigos dos nossos amigos como nossos amigos de sempre... podemos dançar no miradouro, dançar o limbo com um reboque dum camião... podemos ser tudo outra vez e podemos ser as melhores amigas de novo... chorar e sorrir, numa corrida de sangue, suor e lágrimas, com uma sessao fotografica na porta da muralha plo meio...
Estou a meio da viagem... carrego no pedal da direita e o meu carro bate asas com mais força... penso naquilo em que vou errando... desculpa krido... erros grandes, mortais, normais, que pecam por serem tão comuns... ouvir o meu erro na boca de outra pessoa trouxe-me um sentimento de mortalidade, de ser mais uma, ser igual aos outros... não!!! kero ser diferente... ela (que cometeu o mesmo erro que eu) é diferente, eu sei, e foi essa diferença que nos uniu... mas... eu nao kero cometer os mesmos erros que todos os outros cometem. Kero ser diferente. Acima de tudo kero ser eu e cometer os MEUS erros... aprender comigo...
Agora eu vou (porque tenho de ir, e kero!!!)... segunda parte da viagem... aki vou eu, por esse Alentejo fora...

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Arte Moderna, Contemporânia Abstracção ou uma tarde bem passada?

Pergunto-me o que foi tudo aquilo? O que me fica na memória e o que me tocará, no futuro, a forma como olho a arte...? Não sei. Tal como em tudo o resto - como algum uma vez me disse - eu preciso de conhecer toda a realidade que me rodeia, não consigo deixar de procurar descobrir os porquês do que por aí existe. É verdade. E a arte - ou melhor, a minha paixão por ela - é um reflexo disso: gosto de vários estilos, de vários pintores, de várias técnicas...sei o que não gosto, mas é-me muito difícil definir o que gosto. Porque é vasto.
Por isso, talvez seja esse o motivo de ter considerado tão interessante e tão "útil" - no sentido de me alimentar a alma - a tarde que passei no CCB, passeando pelos corredores do agora "Museu Colecção Berardo". A primeira surpresa encontra-se logo aos primeiros metros do percurso recomendado: uma tela em que o Sr. Comendador Joe se converte por breves momentos em "José Berardo" (assim reza o título da obra), num retrato de múltiplas perspectivas, que o torna simultaneamente no primeiro, mas também no mais insignificante momento da exposição. A posição é estratégica. Ali está ele, à entrada, mas simultaneamente à saída, numa passagem obrigatória... Mas agora penso...não são todas obrigatórias? Adorando ou rejeitando cada expressão de arte que ali podemos apreciar, a verdade é que é um atentado à cultura e ao respeito por nós mesmos recusarmos liminarmente a observação de qualquer uma das obras ali detidas...
Falava com a Raquel, partilhando interrogações mútuas ou por vezes adivinhando sentidos distintos na interpretação do que ambos estávamos a ver... No mesmo ponto tivemos certamente a inspiração para seguir caminhos distintos...quem sabe se opostos até.
É na variedade e na falta de sentido, na brisa indefinida que nos faz pensar como tudo ali, ainda que ordenado, se apresenta tão aleatório...mas tão formoso, parece-me.
Precisarão de grande capacidade de abstracção, precisarão de se deixar invadir pelo que de mais instintivo e apriorístico o vosso ser tem para vos dar. Sintam, sem pensar...e depois sim, se quiserem (como eu quis), pensem...misturem-se com a obra e raciocinem, não centrados no que vêem, mas no que sentem. Mas esta é já uma perspectiva muito intimista da exposição. Para mim foi esse o prazer que dali resultou. Foram os raciocínios complexos, camuflados e nitidamente não revelados...

Recorro por isso não a obras lá expostas, mas à criatividade de dois pintores cujo trabalho integra a colecção, para vos entusiasmar...
Por isso, com a ajuda de Max Ernst, "convido-vos" a encararem esta exposição como uma floresta em que tudo vos é desconhecido. Há muita cultura por "desbravar", por descobrir e o espírito de cada visitante terá de ser o mesmo de cada aventureiro que se predisponha a seguir este caminho para algo denso e cada vez menos nítido...competirá a nós receber a cultura, tão clara quando ela sempre se dá a conhecer, mas no seu espaço, no seu momento. A exposição - possivelmente como esta floresta - reserva a cada passo uma nova surpresa.

Mas para que a exposição vos não desiluda - como poderia eventualmente desiludir esta obra de Grace Tailthorpe - , entrem já abstraídos, já expectantes de algo novo, já disponíveis para qualquer coisa que não irão perceber à partida - nem mesmo, eventualmente, no final...
Só assim algo ali terá sentido.
Vão e aproveitem.
E mesmo que à saída sintam que não houve ali nada que vos tenha agradado, ainda assim sobressai toda a utilidade da cultura que em curtos labirintos se expõe. Somos seres críticos, somos sensíveis, somos gente. Duvido que os autores ali representados tenham alguma vez pretendido agradar. Se a alguém aquela obra agradou foi a si mesmos, que se expõem no que tornam público.

E quem não gostar, critique ou inove...mas não se acomode. Afinal não é isto, a arte? Não é isto a inovação? Não é isto o que nós somos?
Acredito que Hegel tem razão...acredito que tudo é tese, antítese e superação.

Um último reparo...Juntem-se e passeiem acompanhados...
Mesmo que tudo o resto que, em parágrafos anteriores relato, seja uma emoção artística que não consigam partilhar comigo...houve nesta tarde algo que pode, com todos funcionar...tive uma óptima companhia (a ti um obrigado enorme Raquel!)!
Assim, após terminarem a vossa visita, partilharemos a consideração de que, mais não seja, pela companhia, foi certamente uma tarde bem passada!